Em um movimento histórico, líderes de países africanos reunidos na União Africana (UA) classificaram a escravidão, a deportação forçada e a colonização como crimes contra a humanidade e actos de genocídio contra os povos africanos.
A decisão, tomada durante uma cúpula em Fevereiro em Adis Abeba, capital da Etiópia, representa um avanço significativo nas reivindicações por reparações históricas e justiça para as vítimas desses crimes.
A resolução, articulada após complexas negociações, foi impulsionada pelo Togo e aprovada pelos 55 países membros da União Africana (UA).
O ministro das Relações Exteriores do Togo, Robert Dussey, descreveu a medida como “um passo crucial, uma vitória para África em sua busca por autodeterminação e controlo sobre seu próprio destino”.
A classificação visa não apenas reconhecer o sofrimento infligido, mas também estabelecer um arcabouço legal para futuras reivindicações por reparações.
O Tribunal Penal Internacional (TPI) define crimes contra a humanidade os actos como assassinato, escravidão, deportação e tortura, cometidos como parte de um ataque sistemático contra uma população civil.
No entanto, não há mecanismos legais internacionais que permitam reparações retroactivas pelos crimes cometidos durante a escravidão e a colonização.
Ainda assim, a resolução da UA pode encorajar iniciativas perante instituições como a Corte Internacional de Justiça (CIJ).
Estima-se que, entre os séculos 15 e 19, 12,5 milhões de africanos foram sequestrados e transportados à força por navios europeus para serem vendidos como escravos nas Américas.
Algumas fontes sugerem que o número real pode chegar a 20 ou 30 milhões. Aqueles que sobreviveram às viagens brutais foram submetidos a condições desumanas de trabalho, especialmente no Brasil e no Caribe, gerando lucros exorbitantes para seus proprietários.
O Reino Unido, por exemplo, foi um dos principais agentes do tráfico negreiro, transportando cerca de 3,4 milhões de africanos.
Já Portugal, que recentemente admitiu sua responsabilidade na escravização de africanos e indígenas, traficou quase seis milhões de pessoas.
No entanto, ambos os países têm resistido a discussões sobre reparações financeiras, com o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, afirmando preferir “olhar para frente” em vez de revisitar o passado.
Avanço simbólico e político.
Além de possíveis implicações legais, a resolução tem um forte caráter simbólico.
Houenoude acredita que ela redefinirá o ensino da história nas escolas africanas, destacando os crimes cometidos contra o continente. “Isso ajudará a moldar a identidade e a consciência histórica dos africanos”, disse.
Ele também espera que a medida facilite a restituição de artefatos culturais saqueados durante a colonização, muitos dos quais permanecem em museus europeus.
A iniciativa da UA responde a apelos persistentes da sociedade civil africana e da diáspora, que há décadas buscam o reconhecimento oficial do sofrimento infligido durante a escravidão e a colonização.
Embora a resolução seja amplamente simbólica, seus efeitos concretos dependerão das acções diplomáticas e legais que os Estados africanos decidirem adoptar.
Enquanto alguns líderes europeus resistem ao debate, a decisão da UA marca um passo importante na busca por justiça reparatória.
Seu impacto futuro dependerá da capacidade dos Estados africanos de transformar esse avanço simbólico em acções concretas, tanto no cenário internacional quanto no doméstico.