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A Escola não é um depósito!

No nosso tempo a professora entrava na sala e nos levantávamos para cumprimentar, em uníssono e em voz alta dizíamos: “bom dia senhora professora. Havia respeito, né?” — Yha, queríamos lhe deixar orgulhosa e feliz…

Essa conversa, que ouvimos nos nossos encontros com amigos e familiares, diz muito sobre o abismo que se abriu entre as gerações. O respeito pelos professores, que antes parecia natural, hoje precisa ser exigido, imposto e forçado, ainda assim, raramente é dado. O que é que aconteceu? Quando é que a escola deixou de ser espaço de formação e virou um depósito? Quando é que os pais e professores passaram de aliados a rivais?

Setembro chegou. As mochilas bem bonitas e preparadas, os cadernos forrados, as lancheiras organizadas, batas e uniformes, tudo novo e engomadinho. Mas dentro das casas, e dentro das nossas crianças, o quê que se arrumou?

Há um cansaço que não se vê na lista de material. Crianças que mal descansaram nas férias, que vivem com os olhos presos a telas, ou em campos de férias, que não sabem o que é o tédio, e que acordam todos os dias com o peso de “se comportarem bem”, “tirarem boas notas”, “não darem trabalho”. Chegam à escola exaustas. Sem presença emocional, sem energia e sem ânimo, e diante delas, professores que já deram tudo… e continuam a receber quase nada.

São profissionais que chegam cedo, voltam tarde, corrigem provas, se preocupam ou fingem também que o fazem, tentam manter a calma diante de comportamentos cada vez mais desafiadores, e ainda assim, são julgados como se fossem inimigos dos pais e obstáculos para os filhos.

Mas por trás dessas estatísticas invisíveis, há algo que esquecemos: cada criança é única. Não são apenas alunos enfileirados em carteiras iguais, são seres com ritmos, talentos, fragilidades e forças próprias. Algumas florescem no silêncio, outras no movimento, umas precisam de firmeza, outras de encorajamento. Quando tratamos todas como se fossem cópias de uma mesma forma, sufocamos aquilo que poderia ser a sua maior riqueza: a singularidade.

O pior é que há pais que falam mal dos professores à frente das crianças, desautorizam toda e qualquer intervenção, ignoram o esforço e desprezam a vocação. E os filhos aprendem que o professor não merece respeito. Hoje, adolescentes se acham no direito de fazer piadas da aparência, da orientação, das roupas, até da vida amorosa dos seus professores, altas gargalhadas na cara do professor, despreza-se o educador e tudo isso é tratado como se fosse “natural da idade”. Mas não é!

É sintoma de uma sociedade que abandonou a ideia de respeito como valor inegociável. É fruto de famílias que esqueceram que a educação começa dentro de casa, e que o professor não é babá, não é terapeuta, não é salvador.

É parte de uma missão colectiva que começa com os pais, enquanto isso, a escola se transforma num depósito. Onde se colocam as crianças para ficarem bem ocupadas, enquanto nós adultos “cuidamos da vida”. E, ao mesmo tempo, a escola vira um campo de batalha: onde o professor luta por autoridade, o aluno por atenção, os pais por controlo e ninguém ouve.

No meio disso tudo, a infância se perde, a adolescência se embrutece e os adultos de amanhã estão a ser formados por estruturas frágeis, relações rasas e ausência de responsabilidade mútua. A escola perdeu o seu lugar, a figura do professor perdeu a sua honra e o que era para ser parceria, virou competição.

Mas ainda é possível resgatar. Tudo começa com uma escolha corajosa: voltar a olhar para a escola como uma extensão da casa e para o professor, como um aliado no cuidado não só físico, mas da alma dos nossos filhos. Isso exige humildade, rever discursos, parar de transferir culpas e começar a assumir responsabilidades. Nenhuma criança cresce saudável quando os pais e os professores estão em guerra, nenhum aluno aprende verdadeiramente num ambiente onde quem ensina está ferido, e quem aprende está sobrecarregado.

Resgatar o respeito à escola e ao professor não é só um apelo à disciplina, mas também um convite a olhar cada criança como ela é, com a sua forma e a sua firmeza. O professor não ensina a um grupo homogéneo, mas a um mosaico de vidas, cada uma com um brilho e uma necessidade. E quando pais e professores reconhecem isso juntos, nasce a verdadeira parceria: a que valoriza a diversidade e não apaga a individualidade.

Este Setembro, mais do que cadernos novos, as famílias precisam de um novo olhar, mais do que um horário certo, precisamos de cultivar a presença, mais do que cobrança, precisamos de construir pontes. A pergunta não é “em que classe o seu filho está?”, mas sim: em que estado emocional ele chega à escola? E que tipo de relação você está a ajudar a construir entre ele e aqueles que o educam todos os dias?

Ainda dá tempo de recuperar a beleza do gesto que fazíamos sem ninguém mandar: levantar-se quando o professor entrava na sala. Não por obrigação, mas por respeito, por amor ao saber e por gratidão a quem ensina.

E para que isso seja possível de forma sustentável, é urgente criar políticas que permitam aos pais estarem mais presentes, como licenças flexíveis e remuneradas para participação em reuniões e actividades escolares, horários de trabalho adaptáveis para momentos importantes da vida académica dos filhos, parcerias entre escolas, famílias e empresas para projectos de leitura, mentorias e oficinas, iniciativas comunitárias que unam famílias, professores, igrejas, associações e organizações locais em prol da educação, e campanhas nacionais que reforcem o valor e a honra do professor.

Quando empresas, governo, comunidades e famílias se comprometem juntos, a escola deixa de ser um depósito e passa a ser um lugar de encontro, de respeito e de construção de futuro. Um espaço onde professores e pais voltam a ser aliados, onde cada criança é vista na sua singularidade e onde a educação recupera a sua dignidade. Porque educar não é apenas transmitir conhecimento, é formar pessoas, curar gerações e preparar corações para o amanhã.

Por: Elisângela Chissamba

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