É Junho levanta o punho! Mês das crianças tempo de festas, em casa, nas escolas, nos locais de trabalho, com lembranças simbólicas, momentos de alegria e de luz nos olhos dos mais pequenos.
Mas será que temos a coragem de olhar também para a sombra? Para aquilo que, no silêncio dos kubicos, dos bairros e das ruas, continua a magoar a infância?Sim, celebramos as crianças.
Mas muitas delas não têm o que celebrar.Nos nossos musseques, nas nossas ruas inseguras, nos quintais com os portões fechados, há crianças que sobrevivem, não vivem. Algumas com os pratos vazios, outras com os corações cheios de mágoas e palavras duras que ouvem dia após dia.
Palavras como “burro”, “porca”, “inútil”, “terrível”. Gritos, bofetadas e humilhações. Não estou a falar dos grandes abusos, se é que existem abusos pequenos, mas vamos falar da violência do dia a dia, que se repete tanto, que até já normalizamos, apanhei e não morri, um puxão de orelha só para lhe sacudir, a criança pede para apanhar, há miúdos que só vão assim.
Quantas vezes descontamos nas nossas crianças? As frustrações da vida, os traumas que nunca tratamos, as feridas da nossa própria infância mal curada?A nossa criança interior clama.
A ferida, esquecida, muitas vezes rejeitada e por não sabermos cuidar dela, viramos a cara à dor da criança que está diante de nós como se fosse um espelho que nos incomoda.
E então, num gesto inconsciente, também ferimos. Nos mbandjes angolanos, quantas crianças são trazidas “para serem cuidadas” e acabam por ser tratadas como escravas? Dormem no chão, comem por último, não estudam, vestem roupas velhas, são impedidas até de sonhar.
No primeiro sinal de “problema” porque comem bwe, porque começaram a fazer xixi na cama, ou a tirar negativas, são devolvidas como se fossem mercadoria ou objecto sem validade.
E os adolescentes? Muitos fogem de casa, preferem o perigo das ruas à dor dos maus-tratos dentro de quatro paredes. À fome emocional e física, vendem água, engraxam sapatos, mendigam, sobrevivem e nós passamos, indiferentes, porque estamos a nos habituar.
E quando alguém nos diz “isso é grave”, respondemos: “é assim mesmo, vamos fazer o quê, sempre foi assim.”Mas o “sempre foi assim” precisa e pode acabar.
As políticas públicas para as famílias existem mesmo?, existem leis que protegem as crianças?

Os programas sociais, quando existem, muitas vezes não chegam a quem mais precisa.
A escola que deveria ser um espaço de acolhimento, muitas vezes se transforma num ambiente de exclusão, retaliação e punição. A saúde mental das famílias e especialmente das mães e de todos aqueles que cuidam é negligenciada.
Mas este artigo não é para acusar. É para despertar.Porque o bom senso não devia precisar de leis.Porque o amor não devia depender de decretos.
Porque educar com respeito devia ser mais natural do que educar com a vara.Porque os gritos que damos, não são para corrigir são o eco da nossa própria dor.
O mundo não vai mudar hoje. Mas a forma como tratamos uma criança hoje, sim, pode e deve mudar e isso já é revolução. Que possamos parar de esperar que apenas o governo e os outros, façam alguma coisa e comecemos a fazer algo no nosso pequeno espaço: na maneira como falamos, como olhamos e como ouvimos.
Quem dera que mais pais e mães estudassem para educar ao invés de apenas ditarem ordens.Quem dera que mais adultos se disponibilizassem para ouvir ao invés de gritarem.Quem dera que a infância fosse sagrada em todas as casas.Neste mês das crianças, que não nos contentemos com balões e festas.
Que tenhamos a coragem de olhar para dentro e reconhecer onde estamos a repetir padrões de dor. E que, com a graça de Deus, possamos começar a curar em nós, para que não se repita neles.Porque as crianças não são o futuro, mas o presente.
E este presente clama por amor, consciência e mudança.
Por: Elisângela Chissamba