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Burro não!

Em muitas famílias angolanas, ainda é comum ouvirmos frases como “esse miúdo é burro”, “só tiras negativas!”, “vais acabar mal!”. Essas palavras, ditas no calor da frustração e do medo, carregam um peso que as crianças muitas vezes não conseguem perceber, mas sentem profundamente e deixam marcas na alma que podem durar por toda vida.

O sistema, a cultura e até o medo de um futuro incerto levam muitos pais e mães a cobrarem dos filhos notas altas nas disciplinas ditas como “chaves”, sem que, de facto, os ensinem a amar o processo de aprender, a desenvolver pensamentos críticos ou a descobrir os seus dons e talentos naturais.

Existe uma ideia enraizada de que inteligência se mede apenas com base nas notas de matemática, ciências e português. Mas essa visão é limitada e injusta.

Howard Gardner, psicólogo e educador norte-americano, revelou ao mundo que existem várias formas de inteligência e que cada pessoa aprende e se expressa de maneira diferente. Isso significa que não é por um filho não saber resolver uma equação ou interpretar um texto que ele seja incapaz.

Ele pode ter outras formas de sabedoria: pode ser criativo, comunicativo, artístico, prático, observador, estratégico, intuitivo. Mas isso não é ensinado nem valorizado em muitos lares e escolas, onde estudar virou sinónimo apenas de aprovar, decorar e sair no quadro de honra.

Esquecemo-nos que aprender envolve a dimensão volitiva que é a capacidade de escolher, decidir e agir com propósito e a dimensão afectiva, que se refere ao interesse, à motivação, ao vínculo emocional com aquilo que se aprende. Sem essas duas forças internas, o estudo se torna vazio, uma tarefa automática, sem sentido nem direcção.

A exigência cega por boas notas tornou-se, em muitos casos, um reflexo da própria insegurança dos pais.

Muitos deles cresceram sem oportunidades, foram forçados a abandonar os estudos, enfrentaram a pobreza, a fome, e o desemprego, e agora, com os filhos na escola, desejam para eles uma realidade diferente.

O problema é que esse desejo legítimo muitas vezes se transforma em pressão, comparação e humilhação, especialmente quando o filho ou a filha não responde como os pais esperam.

O que falta, antes de tudo, é compreensão. Estudar não é um fim em si mesmo, estudar é um caminho. E esse caminho só faz sentido quando a criança percebe que está a crescer com aquilo que aprende, que está a entender mais sobre si mesma e sobre o mundo.

É preciso que as famílias deixem de valorizar apenas o resultado final e passem a valorizar as perguntas, a curiosidade, os talentos escondidos, os erros que também ensinam, os pequenos progressos diários.

Porque inteligência não se resume ao que se escreve numa prova, ela aparece na forma como a criança lida com os outros, arranja um brinquedo, conta uma história, resolve um conflito, percebe uma emoção, ou faz e responde uma pergunta sobre a vida.

Se em casa a criança é chamada de “burra” porque não alcança os padrões impostos, ela aprende a se calar, a se esconder, a desistir de tentar. Ela deixa de confiar em si mesma.

Por isso, é urgente que os pais as mães e professores olhem para os filhos e alunos com olhos mais atentos, mais abertos, mais humanos.
Que corrijam, sim, mas com amor. Que exijam, sim, mas com equilíbrio. Que reconheçam o esforço, valorizem o processo, incentivem a descoberta.

Não basta mandar estudar. É preciso ensinar por que estudar. É preciso mostrar que aprender é umprivilégio, uma ferramenta de libertação, uma ponte para novos horizontes e não apenas uma obrigação imposta com medo e castigo.

Num país onde tantas crianças crescem entre desigualdades, traumas geracionais, responsabilidades precoces e silêncios não curados, oferecer uma educação com compreensão, paciência e o valor das diversas inteligências é um verdadeiro acto de reconstrução social.

E tudo começa em casa: com uma palavra que acolhe, com uma atitude que desperta, com uma postura que guia. Nenhuma criança é burra. Nenhuma criança é descartável, toda criança traz em si sementes de sabedoria e curiosidade para florescer.

Cabe a nós, adultos, regar essas sementes com amor, firmeza e sabedoria. Porque quando um filho ou filha se sente visto, ouvido e respeitado, ele cresce nas notas e, sobretudo, na vida.

Burra não, preciso de ser compreendida, não comparada.

Por: Elisângela Chissamba

Escrito Por
Redação Portal Zango
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