A cada ano, centenas de jovens angolanos entram para cursos que não escolheram. E com eles, morre um pouco da criatividade, do zelo e do futuro.
Com o coração cheio de medo, e a mente moldada por um sistema que pouco favorece a diversidade de talentos, muitos de nós pais e educadores pressionamos os filhos a seguirem caminhos que julgamos “seguros”: medicina, engenharia, enfermagem, educação, psicologia, direito, entre outros…
São cursos que “garantem emprego”, ou pelo menos aumentam as possibilidades de conseguir ter um e quiçá estar bem posicionado, especialmente onde as oportunidades são escassas e a influência pesa mais do que a competência.
Mas a que custo?Temos construído, geração após geração, profissionais sem alma. Jovens que estudam apenas para satisfazer a vontade dos pais, que se formam sem alma, sem paixão, que trabalham por obrigação e vivem sufocados por uma rotina que não os representa.
E isso é mais grave do que parece.
Quando se perde a conexão entre o que se faz e o que se é, instala-se a frieza, a apatia, o fazer só por fazer. A dedicação desaparece, o zelo evapora, e aquilo que deveria ser serviço se transforma em um fardo.
O mais triste é que isso acontece nas áreas onde mais precisamos de pessoas com propósito: saúde e educação.
Quantos profissionais da saúde tratam os pacientes com desdém, com pressa, sem ouvirem, sem compaixão? Quantos professores entram na sala de aula apenas para “cumprir o horário”, sem entusiasmo, sem entrega, sem dom?
Estamos a entregar os cuidados mais preciosos a vida e o conhecimento a pessoas que não querem estar ali, que não nasceram para aquilo, mas que não tiveram outra escolha. Porque lhes roubaram o direito de sonhar.
Claro, que não é justo ignorar a dura realidade: Angola é um país onde o sistema é duro para quem quer empreender, onde os cursos técnicos são desvalorizados, onde falta apoio para jovens talentos, onde a meritocracia ainda é frágil. Mas é justamente por isso que precisamos de falar sobre vocação com mais seriedade.
Porque não se trata apenas de “fazer o que se gosta”, mas de descobrir para o que se nasceu. É uma questão de identidade.
E quando uma pessoa vive fora da sua identidade, tudo sai da rota.Por isso, este artigo não é apenas uma crítica, mas um apelo. Precisamos, como famílias e como sociedade, repensar a forma como orientamos os nossos filhos.
Em vez de empurrá-los para cursos que “garantem um emprego”, precisamos de ajudá-los a descobrir quem são, que dons receberam de Deus, que paixões os movem, o que brilha nos olhos deles quando falam.
Esse processo passa necessariamente pelo autoconhecimento e é aqui que as famílias têm um papel insubstituível.
Desde cedo, é possível ajudar as crianças a se conhecerem: observando com atenção no que se destacam, o que gostam de fazer, como se relacionam com o mundo, que tipo de problemas gostam de resolver.
Podemos usar ferramentas simples de perfil comportamental, questionários vocacionais, conversas intencionais, partilhas sinceras.
As famílias, as igrejas, as escolas e a sociedade também podem ser aliadas e promoverem espaços de descoberta, de mentoria e de reforço positivo. Mas o autoconhecimento, por si só, não basta.
É preciso também cultivar o amor a Deus e ao conhecimento. Quando um jovem entende que os seus dons são um presente de Deus e que usá-los com excelência é uma forma de servir a Deus e ao próximo, o trabalho passa a fazer sentido.

Não é apenas sobre ganhar dinheiro, mas sobre deixar uma marca, cumprir um propósito, transformar o mundo à sua volta.
Quando se ama o que se faz, e se faz com amor, o trabalho vira um acto de serviço.
Falo também de mim: se pudesse voltar atrás, talvez tivesse escolhido uma área completamente diferente da contabilidade e não perdido mais de 10 anos da minha vida a estudar algo que nunca me representou de verdade. Só mais tarde é que descobri a minha vocação.
E tu, caro leitor, o que deixaste de seguir simplesmente por não teres tido opção? Que sonhos foste obrigado a abandonar?Precisamos de mais médicos que amem a profissão, sim.
Mas também de agricultores que cuidem da terra com sabedoria, de costureiros que criem com beleza, de mecânicos honestos, de empreendedores criativos, de artistas corajosos, de professores comprometidos. Toda vocação é digna, desde que vivida com amor e compromisso.
O futuro de Angola não será construído apenas com bons cursos, mas com boas escolhas. Que os pais e educadores tenham a humildade de reconhecer que os filhos não são uma extensão dos seus próprios sonhos frustrados.
Que os filhos tenham a coragem de buscar a sua vocação, e que todos nós, como sociedade, possamos cultivar um novo olhar sobre o trabalho: não como um castigo, mas como uma missão.
Quando uma pessoa encontra o seu lugar no mundo, tudo o que faz floresce.
O trabalho deixa de ser um peso e passa a ser um testemunho de amor a Deus, ao outro e a si mesmo.
Por: Elisângela Chissamba