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O primogénito

O que significa ser o primeiro filho? Para muitos, é carregar o peso de ser filho e, ao mesmo tempo, pai ou mãe pequeno(a). É ser a criança que cresce rápido, a quem se pede maturidade antes da hora, e que em silêncio, aprende a viver para corresponder às expectativas de todos.

Será que os pais sabem o peso que colocam sobre os ombros dos filhos mais velhos? De forma inconsciente, muitas famílias transformam o primogénito num substituto do cuidado, da autoridade, da protecção e, mais tarde, até das finanças. Esse fardo emocional e prático compromete o desenvolvimento de quem ainda está a aprender a ser apenas… filho.

Quando os filhos mais velhos assumem papéis dos pais ou se tornam os responsáveis da casa, as dinâmicas familiares ficam mais complexas e tensas. Muitos desses filhos veem-se sob uma pressão intensa para preencher as lacunas deixadas pela ausência dos pais ou pela incapacidade deles de exercer uma autoridade consistente. Isso pode acontecer por várias razões: o excesso de trabalho, problemas conjugais, ou até a dificuldade em lidar com comportamentos desafiadores dos filhos mais novos.

No caso específico dos primogénitos, essa pressão é ainda maior, pois muitas vezes crescem ao lado da inexperiência dos pais. Numa primeira fase da parentalidade, os pais estão a aprender a ser pais, querem fazer tudo certo, mas não sabem exactamente como. Entre tentativas de não repetir os erros das suas próprias infâncias e o desejo de serem os melhores pais possíveis, acabam por oscilar entre a permissividade e um perfeccionismo exagerado. O primogénito cresce neste campo de experiências, carrega as expectativas, os medos e as frustrações de adultos que ainda estão a construir a própria identidade parental.

À medida que os outros filhos nascem, os pais começam a perceber onde erraram com o mais velho seja por excesso, seja por omissão e, num esforço de “acerto”, tornam-se mais exigentes com ele. Esperam que seja o exemplo, o espelho do que os mais novos devem seguir. Sem que percebam, toda a carga emocional e disciplinar da casa passa a recair sobre esse filho, que muitas vezes ainda é apenas uma criança ou adolescente. A responsabilidade imposta gera uma sensação de desamparo, pois ele é forçado a adoptar uma postura adulta antes do tempo.

Muitos desses filhos mais velhos acabam por ser aquele que leva o irmão mais novo às actividades, que resolve conflitos dentro de casa, que acompanha tarefas da escola, que consola a mãe quando está em crise. São papéis bonitos, mas que não deveriam ser permanentes, nem exigidos como obrigação. O resultado é uma sobrecarga emocional significativa, que pode gerar frustração, solidão e um profundo sentimento de revolta.

Em muitos contextos, isso se prolonga para além da adolescência, os filhos mais velhos tornam-se, já na juventude, os principais ou únicos responsáveis financeiros da família. Trabalham cedo, pagam contas, sustentam irmãos, ajudam os pais. Carregam, muitas vezes em silêncio, o peso de manter a estrutura familiar de pé, mesmo que isso lhes custe os seus próprios sonhos, estudos ou saúde. A pressão para “dar certo”, ser bem-sucedido e socorrer todos à volta transforma-se num fardo invisível, mas profundamente pesado.

Enquanto todos se apoiam neles, eles muitas vezes não têm a quem recorrer.
No caso dos irmãos mais novos, muitos não compreendem esse peso e, em vez de verem o irmão mais velho como uma figura de apoio, podem vê-lo como “o mau da fita”. A situação se torna ainda mais delicada quando o primogénito, por sentir a necessidade de compensar a ausência dos pais, adoptar uma postura excessivamente rígida, mal interpretada pelos mais novos como falta de amor. Assim, os vínculos fraternos ficam ameaçados e se transformam muitas vezes em ressentimento.

Com o tempo, a relação com os próprios pais também pode ficar comprometida. O filho mais velho começa a questionar decisões e atitudes, sentindo que a autoridade e a disciplina que competiam aos adultos foram delegadas a ele. O resultado é um sentimento de abandono, frustração e, muitas vezes, de falta de confiança.
Para que a dinâmica familiar melhore, é essencial que os pais reflictam sobre as suas responsabilidades e busquem um equilíbrio ao lidar com a disciplina e o cuidado dos filhos.

A Bíblia lembra que “os pais não devem provocar os filhos à ira, mas criá-los na disciplina e na instrução do Senhor” (Efésios 6,4). Quando o peso da parentalidade recai sobre os ombros do primogénito, a injustiça corrói o amor e fere a alma.

O ponto chave para uma dinâmica familiar saudável é o reconhecimento de que as responsabilidades devem ser compartilhadas de forma justa. Os pais precisam de assumir o seu papel de líderes e cuidadores, oferecer o suporte necessário a todos os filhos, enquanto os mais velhos, assim como os mais novos, devem ter a oportunidade de viver a infância e a adolescência sem pressões que comprometam o seu bem-estar emocional e psicológico.

É essencial que os pais reconheçam onde erraram com os filhos mais velhos e busquem reconstruir a relação com mais humildade, amor, respeito e presença. Afinal, filhos não foram feitos para ocupar o lugar dos pais, mas para crescerem amados, guiados e livres para serem apenas filhos.

Por: Elisângela Chissamba

Escrito Por
Redação Portal Zango
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