Quando falamos de vocação, pensamos automaticamente no sacerdócio, na vida consagrada ou no matrimónio. Mas a vocação é, antes de tudo, um chamado ao amor vivido no serviço e na doação. Cada pessoa, casada ou solteira, com filhos ou sem filhos, é convidada a responder ao amor de Deus com a sua própria vida.
É neste contexto que quero trazer à reflexão uma realidade muitas vezes silenciada: a dor da infertilidade.
Nas minhas conversas com mulheres, percebi como esta dor é carregada em segredo. Por fora, sorrisos, por dentro, um vazio difícil de nomear.
A cada mês que passa, a cada teste negativo, a esperança morre um pouco, mas é preciso levantar, ir trabalhar e conviver, como se nada estivesse a acontecer.
Enquanto isso, chegam as frases que pesam como pedras:
- Nos encontros de família, alguém comenta alto: “filhos nada, estão a demorar muito.”
- Numa roda de amigas, alguém lança uma: “Ela não quer estragar o corpo.”
- Até os vizinhos perguntam sem cerimónia: “Quando vem o bebé?”
São perguntas e comentários ditos como se fossem inofensivos, mas que ferem profundamente. Quem ouve não responde, engole em seco, mas por dentro sente-se diminuída, culpada, incompleta.
A infertilidade mexe não apenas com o corpo, mas com a alma. Há mulheres que chegam a evitar festas infantis porque cada criança vista é um lembrete doloroso. Há quem esconda lágrimas ao ver uma amiga a anunciar uma gravidez no grupo do WhatsApp.
Há casais que se afastam da vida social porque já não aguentam as perguntas e as comparações.

E, no entanto, este sofrimento é quase sempre invisível. Na nossa cultura, a pressão recai quase toda sobre a mulher. É ela quem vai ao médico, quem faz exames invasivos, quem carrega a culpa no olhar dos outros. Se a gravidez não acontece, logo se pensa que é ela a “culpada”. O homem ao lado, muitas vezes, passa despercebido e em alguns contextos chega-se a sugerir que ele “arranje outra”.
Mas também os homens sofrem. Há quem seja chamado de “mabaco” por não ter filhos. Alguns, pressionados, procuram outras relações como se isso resolvesse algo, mas apenas abrem mais feridas. Outros fecham-se em silêncio, sem coragem de falar sobre o peso que carregam.
O que falta? Falta-nos a educação que acolhe.
Vivemos numa sociedade que valoriza resultados e números, mas não sabe lidar com as dores que não têm solução imediata. Em vez de ouvir, preferimos dar palpites. Em vez de apoiar, julgamos.
Educar para acolher é aprender a ter empatia prática:
- É ensinar os filhos a não fazer piadas sobre a dor dos outros.
- É perceber que um casal pode estar a enfrentar exames, cirurgias e noites em claro, mesmo que continue a sorrir em público.
- É não fazer perguntas invasivas, mas oferecer um abraço, uma presença, uma oração.
- É entender que a fertilidade é um caminho a dois: não é “problema da mulher”, é dor do casal.
É também rever o sentido do matrimónio. Um casal não se une apenas para gerar filhos. A vocação matrimonial é maior: é chamada ao amor, ao cuidado e à fecundidade que se expressa de várias formas. Quem não gera biologicamente pode ser mãe e pai de crianças órfãs, pode dar vida a projectos sociais, pode ser mentor, cuidador, amigo. Pode gerar um futuro no coração de outros.
Queridos leitores, no mês das vocações faço um convite a revermos os nossos preconceitos. Precisamos de mudar o olhar e aprender a acolher. Deus nos chama a amar, não a ferir. Chama-nos a ser comunidade, não juízes.
A verdadeira educação é esta: iluminar o que está escondido, romper o silêncio das dores invisíveis, formar uma cultura de respeito e justiça.
Cada pessoa, com ou sem filhos, é portadora de um valor incondicional, porque o amor de Deus não se mede pela fertilidade do corpo, mas pela fecundidade do coração.
Por: Elisângela Chissamba