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Enquanto Há Vida…

A morte é inevitável, mas fingimos que ela não existe. Vivemos como se o amanhã estivesse garantido e deixamos escapar o essencial no meio da pressa, das discussões e das exigências do dia a dia.
Pára um instante e pensa: quantas vezes hoje, ou esta semana, já gritaste com os teus filhos? Quantas vezes desviaste o olhar do teu cônjuge para fixares no telefone, nos problemas ou na raiva que te consumia?

Quantas vezes te irritaste com a demora a comer ou o calçar dos sapatos antes da escola, com o engarrafamento, com o prato esquecido fora do lugar? E, no entanto, se soubesses que amanhã essa pessoa já não estaria, não trocarias cada momento de impaciência por um instante de calma, para ouvir, para abraçar? É duro admitir, mas é a Verdade.

Quando alguém adoece, quando a sombra da morte se aproxima, de repente aquilo que parecia urgente deixa de ser. Cancelamos compromissos, deixamos de lado vaidades, passamos a valorizar apenas o estar presente. Mas por que temos de esperar a ameaça da perda para finalmente amar de forma inteira? A vida passa diante dos nossos olhos, e no corre-corre esquecemo-nos de que cada dia pode ser o último.

E quando a morte chega, o impacto é esmagador. Nós, adultos, ainda temos alguma linguagem para suportar a travessia, por mais dolorosa que seja. Choramos, gritamos, revoltamo-nos, até que, aos poucos, aprendemos a seguir com o vazio. Chamam a isto as fases do luto: primeiro a negação, quando o coração se recusa a acreditar, depois a raiva, que procura culpados para o que não pode ser mudado, em seguida a negociação, essa tentativa desesperada de imaginar que poderíamos ter feito algo diferente, depois a depressão, o mergulho profundo na ausência e no silêncio, e, por fim, a aceitação, que não é esquecer nem deixar de doer, mas a coragem de continuar. E este ciclo pode se repetir.

Mas e as crianças? Onde ficam elas nesse processo? Muitas vezes são as grandes esquecidas.
Não recebem explicações claras, não participam das conversas, não são incluídas nos rituais de despedida. Sofrem em silêncio. E quando é um irmão que morre, além da dor, enfrentam ainda a sombra de ter de “compensar” a ausência, e crescem com a sensação de que nunca bastam por si mesmas.

Por isso precisamos de falar da morte, não para atrair tristeza, mas para ensinar a viver. Precisamos de dar às crianças espaço para sentir, chorar, perguntar, desenhar a dor, guardar as lembranças. Precisamos de olhar para elas com paciência, sem exigir que sejam fortes, mas permitir que sejam humanas. E precisamos, antes de tudo, de aprender nós mesmos a viver melhor enquanto há tempo. Não é fácil, ninguém nasce pronto para isto, mas podemos aprender.

Podemos, dia após dia, tornar possível viver com mais amor, mais presença e mais gratidão. Atenção, viver assim não significa largar todas as responsabilidades, nem deixar de orientar, ensinar ou corrigir. Não se trata de transformar a vida num deixar andar, nem de falar da morte como se fosse algo banal. Pelo contrário, trata-se de equilibrar a firmeza e a ternura, a responsabilidade e o afecto, a disciplina e a presença.

Orientar os filhos, ensinar valores, corrigir com amor tudo isto continua a ser fundamental. Mas o modo como o fazemos é que precisa mudar: sem pressa, sem raiva, com a consciência de que cada momento é único.

E isso começa nas escolhas mais simples como desligar o telefone para ouvir uma história sem pressa, rir do erro e corrigir com amor em vez de gritar, transformar o banho apressado numa brincadeira, caminhar juntos no fim do dia em vez de ficar cada um isolado numa tela. Reaprender a dizer “amo-te” sem vergonha, abraçar por mais tempo, descansar juntos mesmo diante de tantas responsabilidades.

O extraordinário acontece no ordinário da vida. Sentar-se à mesa e comer devagar, dedicar tempo para olhar nos olhos e perguntar como foi o dia, respirar fundo antes de gritar na manhã corrida, lembrar que a criança não é uma inimiga a ser combatida, mas aprendiz da vida. Rir mais dos erros, abraçar mais nas falhas, descansar o corpo e a alma na companhia de quem se ama.

A morte vai chegar a nós, aos nossos pais, aos nossos filhos, a todos. Não sabemos quando, justamente por isso precisamos de escolher todos os dias viver com amor, presença e gratidão.

Precisamos de ensinar às crianças que a vida é preciosa, que o luto faz parte dela, que sentir dor não é fraqueza, mas uma prova de amor. E precisamos de recordar que não é o tempo que cura, mas o modo como atravessamos o tempo: com paciência, com verdade e, sobretudo, com amor.

Porque, no fim, o que fica não são os gritos, a pressa ou a raiva, mas os momentos em que estivemos inteiros, em que realmente vivemos e amámos sem medida.
É possível apesar de difícil.

Por: Elisângela Chissamba

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