• Lost Password?
  • Lost Password?

Onde Vão os Nossos Choros?

Cala já, não chora mais, já chega, quem chora é feio.

São frases que ouvimos desde cedo, repetidas quase como um refrão familiar e social. Dizemos às crianças quando se magoam, aos adolescentes quando se frustram, aos adultos quando perdem alguém.

Tornou-se quase um instinto automático, diante das lágrimas, pedimos silêncio. Mas será que nos damos conta do peso destas palavras? Para onde vão os choros? Onde se guardam as lágrimas que nunca deixamos cair?

O choro é a primeira linguagem da vida, é ele que anuncia ao mundo que um bebé nasceu. Antes das palavras, é pelo choro que comunicamos fome, frio, medo ou necessidade de colo.

Chorar é a forma mais genuína de expressar a vulnerabilidade humana. Mas, à medida que crescemos, essa linguagem é abafada. O choro passa a ser visto como fraqueza, como birra, como descontrolo.

E, pouco a pouco, aprendemos a engolir as lágrimas, a esconder a dor, a sorrir, quando na verdade, o peito está a arder e a mente a explodir.

Nas famílias, o impulso de calar o choro é comum, não nasce, na maioria das vezes, de maldade, mas sim do desconforto e da falta de recursos emocionais. Um pai que diz “não chores” pode estar, sem perceber, a dizer não sei lidar com a tua dor, não sei o que fazer com as tuas lágrimas.

Uma mãe que ameaça “se continuares a chorar, vais ver” pode estar apenas a repetir os padrões que também recebeu, porque, em algum momento da sua vida, também lhe disseram que chorar era proibido.

O problema é que, nesse processo, ensinamos às crianças e a nós próprios que sentir é errado, que a vulnerabilidade é um sinal de desobediência, que a tristeza deve ser engolida para não incomodar os outros.
Mas o que acontece com os choros engolidos?

Eles não desaparecem, o corpo guarda o que a alma não teve permissão de largar. As lágrimas não derramadas transformam-se em nós apertados na garganta, em dores no peito, em noites de insónia.

Tornam-se ansiedade, explosões de raiva, distanciamento emocional, tornam-se doenças que não conseguimos explicar. O silêncio imposto às emoções não cura, adoece.

O início do ano lectivo é um exemplo prático. Muitas crianças choram ao entrar na escola, especialmente nas primeiras semanas. Em vez de acolher esse medo, muitos pais reagem com frases como cala já, olha os outros a te verem, vão te rir…

A intenção não é má, mas o efeito pode ser devastador, a criança aprende a esconder as emoções, em vez de lidar com elas.


E aqui há outro ponto importante, muitos pais e encarregados de educação não antecipam os acontecimentos, principalmente com as crianças mais pequenas. Não falam com elas sobre a mudança de rotina, sobre o que significa ir para a escola.

E, quando falam, muitas vezes é para amedrontar, a criança, em vez de se preparar, associa o novo espaço ao medo.

Mas há outra forma de fazer. É preciso explicar com clareza e consciência que a escola não é um lugar para ficar para sempre, que no final do dia o pai, a mãe ou outra pessoa de confiança irá buscá-la.

É importante visitar a escola antes, falar algumas semanas e dias antes, mostrar a sala, o recreio, os professores, envolver a criança na compra dos materiais, mudar gradualmente a rotina do sono e da alimentação.

Pequenos gestos de preparação que não eliminam o choro, mas diminuem a angústia, porque dão sentido e previsibilidade à novidade.
Anos mais tarde, essa mesma criança será mais capaz de enfrentar mudanças, porque aprendeu que sentir medo é natural, mas também que existem apoios, explicações e presenças que a ajudam a lidar com o novo.

Talvez esteja na hora de um novo paradigma. O de acolher o choro, em vez de o calar. De sentar ao lado da criança que chora no primeiro dia de aulas e dizer:

Eu sei que é difícil, estou aqui contigo. De abraçar o amigo que perdeu alguém e, em silêncio, deixar que as lágrimas escorram sem pressa. De reconhecer que até os choros “teimosos”, aqueles que parecem provocação, escondem necessidades invisíveis como cansaço, carência e busca por atenção.

As lágrimas têm um lugar e um sentido, são a voz da alma quando a boca não consegue falar. Elas lavam o coração, aliviam a pressão interna, criam espaço para o recomeço. Se as sufocarmos, a dor ficará soterrada.

Se as acolhermos, transformar-se-ão em pontes de afecto, em caminhos de empatia, em lembrança de que somos humanos e não máquinas.
E, no fim, talvez o que mais precisemos seja reaprender a ouvir o choro, deixar que ele exista, dar-lhe espaço, tratá-lo como parte da vida e não como inimigo.

Que possamos ser colo para os nossos filhos, ombro para os nossos amigos, silêncio seguro para quem sofre. Porque cada lágrima que encontra acolhimento não pesa, liberta.

Por: Elisângela Chissamba

Escrito Por
Redacção
View all articles
Deixe aqui seu comentário