Todos os dias, antes mesmo do galo cantar, o adulto da banda já levanta estressado com a cabeça a doer: prepara o mata-bicho, corre para o táxi para ir bumbar, enfrenta o trânsito caótico da cidade ou anda quilómetros a pé, vende na praça, na rua, ou pica o ponto, organiza a casa, faz contas, procura água, milhares de tarefas que nunca acabam.
Seja na empresa, na rua, na lavra ou no quintal, o adulto trabalha.
E esse trabalho é digno, necessário e respeitável, é ele que sustenta o país: os prédios que se erguem, o pão quente que chega à mesa, o uniforme da escola, o transporte que leva as crianças, os documentos que organizam a vida, o peixe fresco da mabunda.
Cada esforço do adulto é como um tijolo que ajuda a levantar a civilização. Sem esse suor, sem esse cansaço, a sociedade não existiria.
Mas, ainda assim dizia Maria Montessori, há um trabalho ainda maior, mais silencioso, mais essencial: o trabalho da criança. Parece estranho dizer que o trabalho da criança pode ser mais importante que o do adulto.
Afinal, não é o adulto quem constrói estradas, casas e empresas? Sim, mas é a criança que constrói o próprio ser humano.
E sem seres humanos plenos, saudáveis, equilibrados, nada do que o adulto levanta se sustenta.
Porque o trabalho da criança é invisível, mas é dele que nasce a humanidade. Ética, coragem, criatividade, equilíbrio emocional, compaixão, inteligência, disciplina tudo isso se forja na infância.
É ali, nos primeiros anos de vida, que o mundo se constrói de dentro para fora. Veja uma pequena, de apenas 2 anos.
Ela insiste em limpar o chão com a própria fralda, os adultos em volta riem ou repreendem: “Não faz nisso, vais estragar a fralda!”.

Mas ela está ali focada e concentrada. Muito mais do que arrastar a fralda pelo chão, ela está a desenvolver a força, a coordenação e a persistência. Está a aprender a confiar em si mesma e a ensaiar para a vida.
Ou um menino, de 5 anos, que quer ajudar a varrer o quintal. Ele pega na vassoura e levanta a poeira, atrapalha mais do que ajuda. O adulto, cansado e apressado, empurra-o para o lado: “Vai brincar, estás a atrapalhar!”.
Mas ele não queria apenas brincar, ele queria participar, colaborar, sentir-se útil, sentir que também é capaz. Esse desejo não é perda de tempo é a semente da responsabilidade, da cooperação e da dignidade.
O adulto trabalha para produzir, a criança trabalha para crescer. O adulto busca por resultados, a criança vive o processo. O adulto aprende por instrução, a criança aprende por imitação, repetição e experiência.
Se dermos liberdade e um ambiente seguro, a criança limpa, carrega, empilha, despeja, dobra, tenta, falha e tenta quantas vezes forem necessárias.
E, em cada gesto simples, constrói algo grandioso dentro de si: foco, autocontrolo, lógica, linguagem, memória, imaginação, força de vontade.É aqui que tudo começa.
O que Angola precisa para se tornar uma nação justa, criativa, disciplinada e honesta não nasce primeiro no parlamento, nos ministérios ou nas empresas.
Nasce no colo da mãe, no quintal do avô, no chão da sala onde uma criança experimenta, insiste, cai, levanta e aprende.O que podemos fazer, como adultos? Permitir.
Permitir que a criança seja criança. Quando ela quiser tentar algo por si mesma, não a impeça, oriente com paciência, mas não faça por ela.
Convide, envolva-a nas tarefas da casa: lavar, cortar, arrumar. Mesmo que o resultado não seja perfeito, o aprendizado será profundo.
Respeite o ritmo, o adulto vive com pressa, mas o tempo da criança é tempo de crescimento. Espere, observe, confie, valorize o processo. Elogie o esforço, não apenas o resultado.
Diga: “Notei como te esforçaste para limpar isso sozinho”, em vez de apenas “Está bem feito”.Permitir não é abandonar, mas acompanhar com amor, com presença e com limites saudáveis.
É acreditar que aquela mão pequena está, sim, a segurar o futuro.Cada criança é uma promessa, cada gesto simples é uma fundação. Ao ajudar uma criança a crescer com liberdade e responsabilidade, não estamos apenas a cuidar de um filho ou de uma filha estamos a colaborar com o futuro de Angola e da humanidade.
Pois todo adulto que hoje ergue prédios, escolas e hospitais, um dia foi uma criança que quis carregar uma garrafa de água maior do que o próprio corpo.A infância é a base, sem ela, não há futuro.
Por: Elisângela Chissamba