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O Vazio das Relações Humanas

Estamos a viver um tempo estranho. As amizades, que antes resistiam a desencontros e diferenças, hoje desfazem-se por mal-entendidos que poderiam ser resolvidos com uma conversa e um abraço. Famílias inteiras vivem afastadas porque falta coragem para pedir perdão e, mais ainda, para perdoar.

O resultado é um vazio que atravessa todas as gerações. Adultos, jovens e até crianças estão a sentir na pele a solidão, mas entre os adolescentes e jovens esse vazio grita mais alto.

A adolescência, que deveria ser um tempo de descoberta, de afectos e de construção de laços fortes, tornou-se uma fase de desconfiança e de isolamento. Muitos já não acreditam em amizades verdadeiras, carregam medos de traição, fofocas e rejeições. O que era para ser um tempo de encontros transformou-se num tempo de desencontros.

Esse vazio não surgiu do nada. Cresce alimentado por modelos de relações frágeis como novelas, séries e redes sociais que exaltam rivalidades, comparações e a busca incessante por aprovação. Cresce ainda pela falta de valores sólidos, tanto em casa como nas escolas. Pouco se ensina sobre empatia, sobre reconciliação, sobre a beleza de manter vínculos mesmo quando falhamos uns com os outros.

Os adultos, muitas vezes feridos e cansados das suas próprias relações, deixam de ser exemplo e, sem se dar conta, passam aos mais novos a ideia de que o amor é descartável.
E essa fragilidade não está apenas nas amizades. Até dentro de casa, muitos casais vivem em farpas ou em um silêncio pesado, mergulhados no desprezo. Pais que partilham o mesmo tecto há anos quase já não se olham, não se ouvem, não se amam.

Muitos usam os próprios filhos como mediadores, como se a comunicação directa fosse impossível. Nesse ambiente, em vez de aprender sobre o amor, o respeito e a reconciliação, as crianças crescem a assistir à frieza, à distância e ao conflito.

Hoje, um dos sinais mais claros desse vazio é o peso que ele deixa na saúde mental. Cada vez mais jovens carregam sintomas de ansiedade, ataques de pânico, insónia, falta de motivação e depressão. Muitos não sabem explicar o que sentem, apenas descrevem um vazio, um cansaço de viver. Não é apenas frescura nem uma fase, é uma dor real, que se alastra em silêncio.

Em Angola e não só, os consultórios de psicólogos estão a encher de adolescentes e jovens que já não encontram sentido nas amizades nem confiança nos adultos. Mas a maioria dos jovens nem chega a esse apoio, porque faltam recursos e ainda existe muito preconceito contra procurar ajuda psicológica. Há pais que preferem chamar de mania ou falta de fé o que, na verdade, são feridas emocionais profundas.

É preciso ter coragem para falar sobre isso. Se não cuidarmos agora, arriscamos perder uma geração inteira para o isolamento, para a dependência de substâncias, para o desespero e até para o suicídio. A saúde mental não pode continuar a ser um tabu, ela é tão real e necessária quanto a saúde física.

Cuidar das emoções, criar redes de apoio, ensinar a pedir ajuda e valorizar o diálogo é um acto de amor que salva-vidas.

E nós? O que podemos fazer diante disso?

Precisamos de reaprender o básico, ensinar as crianças a falar sobre o que sentem, a ouvir de verdade, a resolver conflitos sem violência, a valorizar o perdão. Precisamos de reaprender a estar juntos, sem telas, sem pressa, sem distracções precisamos de recriar espaços onde a amizade e a familiaridade sejam vividas na prática, numa mesa partilhada, num desporto em equipa, num encontro simples.

Mais do que tudo, os adultos têm de voltar a ser testemunhas vivas daquilo que pregam, os jovens não aprendem com discursos, aprendem com exemplos e se não vêem reconciliação dentro de casa, dificilmente acreditarão que ela é possível no mundo.

O vazio nas relações humanas não é apenas um problema do presente é uma ameaça para o futuro. Antes, pedíamos açúcar ao vizinho, agora recorremos a um aplicativo, antes, uma mulher que dava à luz recebia o cuidado da família e da comunidade, hoje, esse cuidado é quase sempre terceirizado, antes, uma viagem ao aeroporto era desculpa para estar com um amigo era ele a boleia, hoje, chama-se um táxi privado.

A conveniência substituiu a comunidade, mas o que nos sobra dessa pressa? Do que serve tanta tecnologia, se já não temos com quem partilhar o que vivemos?
A verdade é que só no cuidado, no tempo dado, é que a comunidade se constrói. A cura para esse vazio não virá de mais velocidade ou de mais aplicativos, mas da coragem de amar, de permanecer e de recomeçar.

É claro que alguns laços terminam, e isso faz parte da vida. Mas é importante que não fique um clima estranho, marcado pelo silêncio pesado, pela indiferença ou pela hostilidade.

Encerrar uma amizade, um namoro, um casamento ou até uma convivência não significa transformar o outro em inimigo. A maturidade está em reconhecer que houve momentos bons, aprender com os erros e seguir em paz. Quando conseguimos fechar os ciclos sem rancor, deixamos espaço para que novos vínculos saudáveis floresçam.

Hoje, faça diferente, ligue para um amigo, peça perdão a alguém, sente-se à mesa com a sua família sem pressa, olhe nos olhos de quem ama. Pequenos gestos podem ser o começo de uma cura maior.

Por: Elisângela Chissamba

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