Ainda que o mundo tenha avançado em muitas áreas, continuamos a alimentar velhas crenças sobre o género dos filhos.
A pergunta, é menina ou menino?
Parece inofensiva, mas carrega em si um conjunto de expectativas sociais que moldam a forma como olhamos para a maternidade, a paternidade e até para o valor das pessoas dentro da família.
Há quem diga que ter um de cada já basta, como se os filhos fossem peças de um puzzle a ser completado. Outros comentam que só meninas até tudo bem, mas só rapazes é complicado e quase sempre as mulheres são o alvo principal dessas observações.

Quando uma mãe tem apenas filhos homens, ouve a não tão inocente pergunta: não vais tentar a menina?
E quando só tem meninas, o discurso muda: um rapaz faz falta, precisas de um homem para cuidar de ti, os meninos são das mães.
Por trás dessas frases, está a ideia perigosa de que o género define o amor, o cuidado e o futuro, futuro esse que é incerto, pois a Deus pertence.
Mas a vida real é mais complexa, há casais que tentam há anos engravidar e não conseguem.
Há outros que decidiram parar, por razões emocionais, espirituais, financeiras ou por questões de saúde.
E há quem simplesmente esteja feliz com o que tem, mas precisa constantemente de justificar essa felicidade, porque a sociedade insiste em opinar sobre algo que não lhe pertence.

A empatia, neste caso, deveria começar pelo silêncio.
Nem toda pergunta é necessária, e nem toda curiosidade é inocente.
Perguntar “quando vem o rapaz?” pode parecer normal, mas para alguém que lida com a infertilidade, perdas ou frustrações, pode ser uma lembrança cruel de algo que foge do seu controlo.
Além disso, pouco se fala sobre as dinâmicas internas dessas famílias.
Não deve ser fácil ser o único rapaz no meio de várias irmãs o peso das expectativas, a necessidade de proteger, o olhar social que o coloca como o homem da casa ou o nosso único rapaz.
Também não deve ser simples ser a única menina entre irmãos a que é diferente, a frágil ou a princesa que não pode participar de algumas brincadeiras.
As famílias são organismos vivos, e o equilíbrio emocional dentro delas depende muito mais do respeito do que da proporção entre meninos e meninas.
O que falta é consciência social e sensibilidade relacional.
Antes de falar sobre o filho que o outro deveria ter, é preciso lembrar que cada nascimento é uma história única, muitas vezes marcada por medos, esperanças e até lutos invisíveis.
Não é apenas uma questão biológica é espiritual, emocional e profundamente humana.
Sem perceber, transmitimos aos nossos filhos as mesmas ideias que um dia nos pressionaram.
Dizemos às meninas para serem delicadas e aos meninos para serem fortes, esquecendo que todos, meninos e meninas precisam aprender a lidar com os sentimentos, as responsabilidades e os limites.
Educar não é negar as diferenças entre os sexos, mas ensinar que a sensibilidade e a força fazem parte de todo ser humano.
Quando tratamos cada filho como uma pessoa única, com dons e necessidades próprias, ajudamos a formar corações equilibrados, capazes de amar e respeitar o próximo.
Promover a empatia começa por observar o próprio discurso.
Evitar comparações, suspender julgamentos e reconhecer que cada família tem o seu próprio tempo, necessidades e satisfações.
Em vez de perguntar quantos filhos vais ter?, poderíamos perguntar como estás a viver esta nova fase?
Em vez de opinar sobre o género, poderíamos celebrar o milagre da vida e o esforço diário que é criar seres humanos conscientes e amados.
Porque, no fim, nenhum de nós tem o poder para escolher o que só Deus pode decidir.
E talvez a verdadeira maturidade social esteja em aceitar isso com humildade e deixar que cada família viva a sua história sem a interferência das nossas certezas.
Por: Elisângela Chissamba

