Há um clamor silencioso no meio da pressa. Aqui na banda, onde tantos labutam diariamente para pôr comida na mesa, pagar as escolas, garantir a segurança, manter a sanidade e proteger a família, descansar parece um pecado.
Crescemos com frases como “quem não trabalha, não come” e “tempo é dinheiro”. E com isso aprendemos a viver sob pressão constante, como se parar fosse perder. Mas talvez estejamos a perder exactamente porque não paramos.
O tempo livre tem sido confundido com perda de tempo. O descanso virou luxo. E o lazer essa simples arte de aproveitar o tempo de forma prazerosa, criativa e humana tornou-se algo raro e até mal visto. Muitos adultos não sabem descansar e, por isso, não conseguem ensinar isso aos filhos. Estamos tão acostumados a correr atrás da vida, que esquecemos de vivê-la. E ainda exigimos das crianças que se entretenham, aprendam, fiquem quietas, sejam produtivas ou ocupadas o tempo todo.

Mas a verdade é que o tempo livre é necessário. Ele não serve só para “relaxar”, mas para respirar, pensar, imaginar e criar.
O vazio da agenda é o berço da criatividade. E é na frustração sim, naquela sensação de “não sei o que fazer agora” que nascem as ideias mais bonitas, os jogos inventados, as descobertas internas.
A criança que nunca se frustra, nunca precisa de criar e a que é sempre conduzida ou guiada, nunca desenvolve direcção própria.
Por isso, é urgente deixar que as crianças passem pelo tédio. Não como abandono, mas como oportunidade de se encontrarem, de se ouvirem por dentro, de se conhecerem. O tédio saudável convida à invenção, à reflexão e ao crescimento. Precisamos parar de preencher cada segundo da infância com estímulos principalmente com telas e deixar espaço para o espírito florescer.
Também nós, adultos, precisamos de voltar a esse lugar. O lugar do tempo sem culpa, do se sentar sem fazer nada. Do silêncio em oração, do olhar perdido na janela sem motivo aparente. Precisamos de cultivar o nosso espírito, porque o descanso verdadeiro não é apenas físico, é mental e também espiritual. A Bíblia fala sobre o “intervalo do homem diligente”, esse espaço necessário entre as batalhas, onde o coração volta a bater com propósito e sentido.
O problema é que estamos a perder o silêncio interior. Vivemos constantemente em busca de coisas, estímulos, tarefas, movimento, barulho, como se a vida só tivesse valor se estivesse cheia de som e pressa. Poucos sabem estar consigo mesmos em silêncio. Poucos encontram prazer na vida interior. Pensar, avaliar a vida, saborear a presença, tudo isso parece ter perdido o valor. E isso tem consequências profundas.
As crianças, os adolescentes e os jovens crescem sem referências do eu interior. Estão sempre ocupados, entretidos com jogos, redes, ecrãs, brinquedos, actividades e brincadeiras.
Quando não há silêncio, não há tempo para ouvir, quando não há pausa, não há pensamento, o resultado crescerem sem sentido de responsabilidade nem liberdade interior, não aprendem a escolher o bem, o justo, o verdadeiro, não são ensinados a servir, a se doar, a ir ao encontro do outro, ficam presos ao imediatismo, ao entretenimento, ao vazio disfarçado de ocupação.
Há muitas pessoas cansadas, desmotivadas, a dizerem “nada me move, nada me inspira”. Mas o que falta, muitas vezes, não é actividade, mas sentido. É raiz, é o cultivo de um mundo interior forte, fértil e vivo.
Ouvir música com atenção, ler histórias, conversar com os filhos, visitar um amigo doente, ajudar uma avó que vive sozinha, tudo isso nutre a alma. São gestos simples, mas profundos, que impedem que caiamos no buraco do vazio existencial.
O tempo livre, quando vivido com consciência, nos reconecta com o que somos e com o que importa. Ele é terra fértil para valores, sensibilidade e espiritualidade. Quando criamos um lar onde há espaço para respirar, para rir sem motivo, para sentir, para ajudar, para parar estamos a construir filhos com alma viva.
Que possamos valorizar o tempo livre, não como fuga, mas como espaço sagrado. E que, mesmo nas realidades duras que enfrentamos, possamos cultivar momentos de presença, alegria simples, solidariedade e descanso com sentido. Porque viver também é parar e parar também é crescer.
Por: Elisângela Chissamba